A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), publicada no Informativo nº 848 de 8 de abril de 2025, traz uma mudança importante no entendimento sobre a fixação de honorários advocatícios em casos de desconsideração da personalidade jurídica. O tribunal passou a reconhecer que a rejeição do pedido de desconsideração da personalidade jurídica constitui causa de sucumbência, abrindo espaço para condenação em honorários.
Essa novidade impacta diretamente a atuação de advogados que lidam com execuções e cobranças judiciais contra pessoas jurídicas, principalmente em estratégias voltadas à responsabilização dos sócios.
Neste artigo, explicamos o fundamento legal, a evolução do entendimento jurisprudencial e as implicações práticas para os profissionais da advocacia empresarial.
O que é a desconsideração da personalidade jurídica
A personalidade jurídica permite que a empresa, como ente distinto dos seus sócios, assuma obrigações e responda por elas com seu próprio patrimônio. Porém, em casos de abuso da personalidade jurídica, como desvio de finalidade ou confusão patrimonial, os sócios podem ser responsabilizados diretamente pelas dívidas da empresa.
Esse mecanismo está previsto no:
- Art. 50 do Código Civil: autoriza a desconsideração quando houver desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
- Artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil: regulam o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), permitindo que o processo seja conduzido de forma contraditória, com direito à defesa dos sócios.
O procedimento do incidente
Na prática, quando a parte credora entende que a empresa está se ocultando por trás da personalidade jurídica para se eximir de suas obrigações, ela ajuíza um incidente processual solicitando que os sócios sejam incluídos no polo passivo da execução.
O juiz instaura o incidente, dá oportunidade de manifestação aos sócios, e então decide se acolhe ou rejeita o pedido.
E quando o juiz rejeita o pedido?
Antes do novo entendimento do STJ, a rejeição do incidente não acarretava condenação em honorários sucumbenciais, uma vez que a decisão era considerada interlocutória — ou seja, não punha fim ao processo nem resolvia o mérito da causa.
Mudança de entendimento do STJ
O marco dessa mudança foi o julgamento do REsp 2.042.753/SP, relatado pelo Ministro Mauro Campbell Marques na Corte Especial do STJ, com decisão unânime.
O STJ reconheceu que, em determinados incidentes processuais que alterem substancialmente a lide, é cabível sim a fixação de honorários advocatícios. E isso se aplica, especificamente, ao indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.
Por que agora é causa de sucumbência?
A Corte entendeu que o pedido de desconsideração modifica significativamente a estrutura do processo, ao tentar responsabilizar terceiros (os sócios) por uma obrigação originalmente da empresa.
Assim, quando o juiz rejeita esse pedido, há uma recomposição da lide, impedindo a ampliação do polo passivo. Esse desfecho representa uma derrota processual relevante para a parte que requereu a desconsideração.
Dessa forma, entende-se que houve sucumbência, e portanto, o pagamento de honorários é devido.
Honorários advocatícios em incidentes processuais: antes e depois
Entendimento anterior
- A jurisprudência majoritária do STJ não admitia a fixação de honorários em incidentes processuais, salvo em hipóteses excepcionais.
- A base era de que somente atos decisórios que encerram fases do processo ou extinguem o feito com ou sem resolução de mérito (como sentenças) poderiam gerar condenação em honorários.
Nova diretriz
- Agora, quando o incidente processual altera substancialmente a estrutura da demanda ou do processo, como é o caso da tentativa frustrada de desconsiderar a personalidade jurídica, a fixação de honorários se justifica.
- Essa mudança valoriza a atuação do advogado que consegue defender com sucesso a exclusão dos sócios, protegendo-os de uma responsabilização indevida.
Implicações práticas para a advocacia
Esse novo entendimento deve ser considerado com muita atenção por advogados que atuam em execuções e cobranças contra empresas. A partir de agora, é fundamental:
- Avaliar criteriosamente os fundamentos antes de pedir a desconsideração da personalidade jurídica.
- Um pedido infundado pode resultar em condenação em honorários, agravando ainda mais a situação da parte credora.
- Reforçar a argumentação jurídica ao formular o pedido, demonstrando claramente a ocorrência de abuso da personalidade jurídica.
- Se o juiz rejeitar o incidente por falta de elementos, o autor poderá ser condenado a pagar os honorários ao advogado da parte contrária.
- Na defesa dos sócios, passa a existir maior incentivo para impugnar com rigor pedidos de desconsideração, pois a decisão favorável poderá render honorários, mesmo em fase interlocutória.
Critérios para fixação dos honorários
Embora o STJ tenha sinalizado a possibilidade de fixação de honorários nesses casos, ainda não há uma regra exata sobre os critérios de cálculo. Espera-se que:
- O juiz considere o grau de complexidade da defesa dos sócios.
- Leve em conta o trabalho efetivamente realizado e a relevância da vitória no incidente.
É provável que os honorários sejam fixados por equidade, conforme previsão do art. 85, §8º do CPC, uma vez que não há condenação pecuniária imediata no incidente.
Conclusão
O novo posicionamento do STJ, reconhecendo que a rejeição do pedido de desconsideração da personalidade jurídica é causa de sucumbência, representa uma inflexão importante na jurisprudência e exige cautela e estratégia redobradas por parte dos advogados.
Essa mudança fortalece a segurança jurídica dos sócios de empresas e impõe maior responsabilidade às partes que buscam ampliar o polo passivo da execução sem elementos robustos. Ao mesmo tempo, cria nova oportunidade de remuneração para a advocacia, ao reconhecer o valor da defesa bem-sucedida nos incidentes de desconsideração.
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