A distribuição de lucros em sociedades limitadas é uma das questões mais sensíveis na relação entre sócios, especialmente quando há desequilíbrio na participação de cada um nas atividades da empresa. Uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe novos elementos que reforçam a possibilidade da distribuição desproporcional de lucros, com base no número de dias trabalhados por cada sócio, criando uma jurisprudência relevante para quem atua em sociedades prestadoras de serviços.
Neste artigo, vamos analisar os fundamentos legais, os limites impostos pelo Código Civil, os critérios de validade para cláusulas de distribuição desigual e, principalmente, os pontos centrais do julgamento do REsp 2.053.655/SP, julgado pela Quarta Turma do STJ.
Fundamento Legal da Distribuição de Lucros nas Sociedades Limitadas
O ponto de partida para compreender a distribuição de lucros está no Código Civil. Os principais dispositivos são:
- Art. 1.007 – Determina que a divisão de lucros entre os sócios deve, como regra geral, obedecer à proporção do capital social.
- Art. 1.008 – Considera nula a cláusula que exclui qualquer sócio do direito de participar nos lucros.
No modelo padrão, se cinco sócios possuem partes iguais (20% cada), a distribuição de R$ 10.000 em lucros deveria ocorrer igualmente, com R$ 2.000 para cada um. Porém, o Código Civil não veda que os sócios acordem forma diversa, desde que não haja exclusão arbitrária ou desproporcional e que se respeitem os princípios da boa-fé e da função social do contrato.
Trabalho X Capital: O Conflito nas Sociedades de Serviço
Embora o critério do capital seja o padrão legal, ele pode não refletir a realidade operacional de sociedades que dependem diretamente da prestação de serviços pelos sócios, como ocorre em empresas de consultoria, engenharia ou clínicas médicas. Nesses casos, a contribuição de cada sócio em horas de trabalho efetivamente prestadas pode ser muito mais determinante para a geração de receita do que o valor de capital investido.
Imagine a seguinte situação: um dos sócios trabalha diariamente na empresa, enquanto outro comparece apenas uma vez por semana. Ainda assim, ambos recebem a mesma distribuição de lucros. É justo? Legalmente possível?
Acordo de Sócios: O Caminho para a Distribuição Desproporcional
Para se evitar conflitos como o descrito acima, a recomendação prática é a formalização de um acordo de sócios que contemple cláusula de distribuição desproporcional de lucros. Esse acordo pode prever que a distribuição será feita com base em critérios objetivos, como:
- Dias ou horas efetivamente trabalhadas;
- Metas individuais de desempenho;
- Participação direta na captação de clientes ou receitas.
Esse tipo de cláusula é especialmente relevante quando os sócios acumulam a função de prestadores de serviços e gestores da operação. Importante destacar: não se trata de exclusão, mas de uma nova forma de divisão acordada por todos.
Decisão do STJ: O Caso do REsp 2.053.655/SP
A jurisprudência mais significativa sobre o tema veio com o julgamento do Recurso Especial 2.053.655, relatado pelo ministro Raul Araújo. O caso envolveu uma sociedade de consultoria empresarial formada por três sócios. Dois deles deliberaram por modificar o critério de distribuição de lucros, vinculando-o ao número de dias trabalhados por cada sócio, decisão ratificada em reunião formal.
A terceira sócia, que havia se afastado das atividades e não participou dessa votação, contestou judicialmente a nova regra alegando violação ao artigo 1.008 do Código Civil.
A decisão do STJ foi clara e inovadora:
- Validou a distribuição desproporcional de lucros baseada na prestação de serviços.
- Destacou que não houve exclusão ilegal da sócia minoritária, mas apenas uma adequação à realidade da empresa.
- Reconheceu que, em sociedades com baixo capital e foco na prestação de serviços, esse tipo de critério é razoável e justo.
- Reforçou que o artigo 1.008 não foi violado, pois não houve cláusula de exclusão pura e simples, mas sim uma readequação conforme a ausência de contribuição da sócia.
Pontos-Chave da Decisão e Seus Impactos Práticos
- Acordo de sócios é essencial – A cláusula de distribuição proporcional ao trabalho deve ser pactuada por escrito e com ciência de todos os sócios.
- Decisões por maioria são válidas – Desde que respeitados os quóruns legais, os sócios podem deliberar mudanças no contrato social ou regimentos internos.
- Inércia pode gerar perda de direitos – A ausência de contribuição efetiva pode justificar a redução da participação nos lucros, desde que prevista e aprovada de forma legítima.
- Atenção ao tipo de sociedade – Essa decisão tem especial aplicabilidade para sociedades de pessoas, onde o elemento pessoal e o trabalho dos sócios têm peso decisivo.
- Base para novas teses jurídicas – O julgado abre espaço para uma interpretação mais funcional do contrato social e valoriza a função econômica da contribuição de cada sócio.
Como Implementar essa Solução na Sua Sociedade Limitada
Se você já possui uma sociedade e deseja adotar esse modelo de distribuição de lucros proporcional ao trabalho, siga os seguintes passos:
- Redigir um Acordo de Sócios – Com cláusulas claras sobre os critérios de divisão dos lucros.
- Realizar assembleia e deliberação formal – Registrando em ata a aprovação da nova regra.
- Atualizar o regimento interno ou o contrato social – Conforme o entendimento dos sócios e respeitando os quóruns legais.
- Documentar o desempenho de cada sócio – Com controle de presença, metas, horas trabalhadas, entre outros indicadores.
- Consultar um advogado especialista em direito societário – Para assegurar a validade e eficácia jurídica do modelo adotado.
Conclusão: Justiça, Legalidade e Eficiência nas Relações Societárias
A decisão do STJ representa um avanço significativo na modernização das regras de distribuição de lucros em sociedades limitadas. Ela permite uma gestão mais justa e eficiente, valorizando a contribuição real de cada sócio para a geração de resultados da empresa. É fundamental, no entanto, que tudo seja feito com base no contrato, na transparência e na vontade coletiva dos sócios.
Se você é sócio de uma empresa ou advogado que atua com direito empresarial, aproveite essa jurisprudência para revisar os acordos societários de seus clientes ou da sua própria empresa. E lembre-se: o direito empresarial é uma ferramenta de justiça, e não apenas de formalidade.
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