A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) chamou a atenção da comunidade jurídica e empresarial ao validar a arrematação de um imóvel por apenas 2% do valor de avaliação em um processo de falência. Trata-se de um precedente importante que reforça a interpretação da Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005), especialmente após a reforma promovida pela Lei nº 14.112/2020.
Neste artigo, vamos entender os detalhes do caso, os fundamentos legais envolvidos e as repercussões práticas para credores, devedores e investidores que participam de leilões em processos falimentares.
O caso julgado pelo STJ
A controvérsia analisada pelo STJ surgiu a partir de um processo falimentar em São Paulo (RESP nº 2.174.514/SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).
O bem em questão era um imóvel avaliado em R$ 5,5 milhões. O procedimento de alienação ocorreu da seguinte forma:
- Primeiro leilão: lançado pelo valor integral da avaliação (R$ 5.500.000), mas não houve interessados.
- Segundo leilão: preço reduzido a 50% da avaliação, ainda assim sem arrematantes.
- Terceiro leilão: o imóvel acabou sendo arrematado por apenas 2% do valor da avaliação.
O Ministério Público, o administrador judicial e até mesmo a massa falida contestaram a arrematação, alegando que o valor representava preço vil e acarretaria prejuízo aos credores. Ainda assim, o juiz de primeira instância validou o ato, com base na legislação falimentar.
Posteriormente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a decisão, entendendo que o valor seria desproporcional e prejudicial à massa. O caso chegou ao STJ, que analisou a validade da arrematação.
O fundamento legal: a Lei de Falências e a reforma de 2020
O ponto central da discussão está na interpretação do artigo 142 da Lei 11.101/2005, especialmente após a inclusão do §2º-A pela Lei 14.112/2020.
Essa alteração legislativa trouxe três pontos fundamentais:
- A alienação dos bens deve ocorrer independentemente da conjuntura de mercado, dado o caráter forçado da venda em processos falimentares.
- O prazo máximo para a concretização da alienação é de 180 dias contados da lavratura do auto de arrematação.
- O inciso V do dispositivo estabelece que, na falência, não se aplica o conceito de preço vil.
Ou seja, ao contrário do que ocorre no Código de Processo Civil (CPC, art. 891) — que define como preço vil aquele inferior a 50% do valor da avaliação —, a legislação falimentar, após a reforma, desconsidera essa limitação.
Isso significa que o legislador buscou garantir maior celeridade e efetividade na liquidação do ativo, ainda que os valores arrecadados possam ser muito inferiores à avaliação inicial.
O entendimento do STJ
Ao analisar o recurso especial, o STJ reconheceu a legalidade da arrematação do imóvel por apenas 2% da avaliação.
Os ministros ressaltaram que:
- A reforma da Lei de Falências buscou otimizar a utilização produtiva dos bens e garantir a liquidação célere das empresas inviáveis.
- A exclusão do conceito de preço vil foi uma escolha legislativa, justamente para evitar que a alienação de ativos fique travada por falta de interessados.
- O essencial é verificar se foram respeitadas as formalidades legais, como ampla divulgação do edital, publicidade adequada, igualdade de condições entre os participantes e possibilidade de concorrência.
Como todos esses requisitos foram cumpridos no caso concreto, não havia motivo para anular a arrematação.
O STJ também destacou que, se havia interessados em pagar mais pelo imóvel, esses deveriam ter participado do leilão e apresentado lances mais vantajosos. Como isso não ocorreu, prevaleceu a proposta apresentada, ainda que equivalente a apenas 2% do valor de avaliação.
Impactos práticos da decisão
Essa decisão traz reflexos relevantes para o Direito Empresarial e para o mercado:
1. Para os credores
A princípio, pode parecer desvantajoso receber apenas uma fração mínima do valor de avaliação de um bem. No entanto, a manutenção de imóveis sem liquidez dentro do processo falimentar gera custos e atrasa o pagamento dos credores. A venda rápida, mesmo por valor reduzido, garante que o processo avance.
2. Para o devedor falido
A legislação busca permitir que o falido encerre mais rapidamente o processo e, eventualmente, possa retornar à atividade econômica sem o peso de um processo arrastado por anos.
3. Para investidores
A decisão abre espaço para oportunidades interessantes em leilões falimentares, uma vez que os bens podem ser arrematados por valores bastante inferiores ao de mercado, desde que respeitados os requisitos legais.
4. Para o sistema de justiça
O precedente reforça a importância de privilegiar a celeridade e eficiência do processo falimentar, em vez de perpetuar discussões sobre preço vil que, muitas vezes, inviabilizam a liquidação do ativo.
Lições para quem participa de leilões falimentares
A decisão do STJ ensina que:
- O conceito de preço vil não se aplica em processos de falência.
- É essencial verificar se o edital foi publicado corretamente e se o procedimento garantiu a ampla competitividade.
- Investidores atentos podem encontrar grandes oportunidades em leilões falimentares.
- Credores devem compreender que a celeridade do processo pode trazer maior vantagem do que a insistência em valores inalcançáveis no mercado.
Conclusão
A decisão do STJ no RESP nº 2.174.514/SP consolida a interpretação de que, em processos de falência, o preço vil não é um impedimento para a alienação de bens. O precedente reforça a busca pela eficiência, liquidez e retomada da atividade econômica como objetivos centrais da Lei de Falências.
Assim, a arrematação de um imóvel por apenas 2% da avaliação foi considerada válida, desde que respeitadas todas as formalidades legais do procedimento.
Para advogados, credores, administradores judiciais e investidores, esse entendimento representa um marco relevante na forma de conduzir e analisar leilões falimentares no Brasil.
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