A penhora de cotas sociais em sociedades limitadas sempre foi um tema relevante no Direito Empresarial. No entanto, a discussão se intensifica quando falamos da sociedade limitada unipessoal, um modelo relativamente recente no ordenamento jurídico brasileiro. Em 2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou importante entendimento sobre o tema, definindo os contornos da possibilidade de penhora das cotas do sócio único em benefício de credores particulares.
Este artigo analisa, com base na recente decisão do STJ, os fundamentos jurídicos que permitem essa penhora, suas limitações e os desdobramentos práticos para o sócio único e para a própria empresa.
O que é a Sociedade Limitada Unipessoal?
A sociedade limitada unipessoal foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), que alterou o artigo 1.052 do Código Civil para permitir a constituição de sociedades limitadas com apenas um sócio.
Segundo o §1º do artigo 1.052, a sociedade limitada pode ser formada por uma única pessoa, física ou jurídica, sem a exigência de capital social mínimo, substituindo gradualmente o modelo anterior da EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada).
Nesse formato, a empresa adquire personalidade jurídica própria e é distinta da pessoa do sócio, mesmo que este seja o único integrante do quadro societário.
Capital Social vs. Patrimônio da Sociedade
Ao constituir uma sociedade limitada unipessoal, o sócio único define um capital social inicial. No entanto, esse valor não corresponde necessariamente ao valor patrimonial da empresa.
Por exemplo, uma sociedade pode ser constituída com R$ 100.000,00 de capital social, mas ao longo do tempo, adquirir bens, clientes, e reputação que elevam seu valor de mercado a muito mais que isso — ou, ao contrário, se desvalorizar.
Essa distinção é importante, pois a penhora visa o valor patrimonial das cotas, não o capital social em si.
Cotas da Sociedade Unipessoal Podem Ser Penhoradas?
Sim, conforme entendeu o STJ no julgamento do Recurso Especial nº 2.186.044/SP, de relatoria do Ministro Antônio Carlos Ferreira, é possível a penhora da participação societária em sociedade limitada unipessoal para satisfazer dívidas pessoais do sócio único.
A decisão representa um marco importante ao reconhecer que a natureza unipessoal da sociedade não impede a constrição patrimonial sobre suas cotas, desde que respeitados os princípios da preservação da empresa e da autonomia da vontade.
Desdobramentos da Decisão do STJ
A decisão trouxe uma série de observações relevantes para a aplicação prática dessa possibilidade:
1. A vontade do sócio único deve ser respeitada
O STJ enfatizou que, ao optar por uma sociedade unipessoal, o sócio manifestou sua vontade de não se associar a terceiros. Essa escolha deve ser respeitada, sob pena de violação ao princípio da legalidade (art. 5º, II da Constituição Federal), que protege a liberdade de organização empresarial.
2. A penhora não deve impor vínculo societário com terceiros
Caso haja a penhora e posterior leilão das cotas, o ingresso forçado de um terceiro estranho ao quadro societário contraria a essência da unipessoalidade. Assim, não é legítimo impor ao sócio único a associação involuntária com terceiros.
3. Soluções propostas pelo STJ
O tribunal propôs duas saídas práticas para conciliar o direito do credor com a preservação da sociedade e da vontade do sócio:
a) Liquidação parcial com redução do capital social
A sociedade pode ser parcialmente liquidada para satisfazer a dívida, mediante avaliação do valor das cotas a serem penhoradas. Aplica-se aqui o artigo 861, III, do CPC, combinado com o artigo 1.031, §1º, do Código Civil.
Exemplo: se as cotas forem avaliadas em R$ 200.000,00 e a dívida for de R$ 50.000,00, pode-se reduzir o capital social e transferir esse valor ao credor, preservando a empresa e a unipessoalidade.
b) Alienação total da sociedade (como medida excepcional)
Quando a liquidação parcial não for suficiente ou viável, admite-se a alienação integral da participação societária. Nesse caso, a sociedade é transferida a um novo titular, desde que este assuma os compromissos e obrigações da empresa.
Trata-se de medida excepcional, mas que respeita o princípio da preservação da empresa, evitando a dissolução e mantendo a unidade produtiva ativa.
A Prática Jurídica e os Riscos ao Sócio Único
Essa decisão impõe atenção redobrada aos empreendedores que optam por esse modelo societário. A sociedade limitada unipessoal não é um escudo absoluto contra dívidas pessoais.
É essencial que o sócio tenha um planejamento patrimonial e jurídico adequado, separando suas obrigações pessoais das empresariais. Além disso, a avaliação periódica da empresa e a manutenção da documentação societária em ordem são medidas preventivas contra complicações futuras.
Considerações Finais
A decisão do STJ marca uma evolução importante no Direito Empresarial brasileiro, ao conciliar a autonomia privada, a segurança jurídica e a proteção dos credores. Ela confirma que as cotas da sociedade limitada unipessoal podem ser penhoradas, mas impõe limites e condições para garantir a preservação da empresa e da vontade do sócio único.
Esse entendimento fortalece o uso da sociedade unipessoal como instrumento legítimo de organização empresarial, mas exige responsabilidade na sua utilização.
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