A recuperação judicial é um processo jurídico voltado para empresas em dificuldade financeira, que visa permitir a reestruturação das dívidas e a continuidade das operações. No entanto, uma questão polêmica foi recentemente decidida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ): fundações de direito privado podem solicitar recuperação judicial? A resposta é não, e neste artigo vamos explorar os detalhes dessa decisão e suas implicações no direito empresarial.
O Que Diz a Lei de Recuperação Judicial?
Para compreender a decisão do STJ, é importante começar analisando o que diz a Lei 11.101/2005, conhecida como a Lei de Recuperação Judicial e Falências. Logo em seu artigo 1º, a legislação determina que a recuperação judicial e a falência são instrumentos aplicáveis apenas ao empresário individual ou à sociedade empresária.
Quem Pode Solicitar Recuperação Judicial?
Segundo o artigo 48 da mesma lei, somente empresas que estejam em atividade regular há mais de dois anos têm o direito de solicitar a recuperação judicial. Ou seja, a legislação brasileira restringe o acesso à recuperação judicial exclusivamente a quem desempenha atividade empresarial, excluindo fundações, associações e outras entidades que não possuem fins lucrativos ou objetivos comerciais.
O Caso da Fundação Privada de Educação
O caso analisado pelo STJ envolveu uma fundação de direito privado, situada em Sete Lagoas, Minas Gerais, que havia solicitado recuperação judicial. A fundação, que atuava no setor educacional, enfrentava dificuldades financeiras e buscou se reorganizar por meio desse mecanismo jurídico. Após o pedido ser analisado em primeira e segunda instâncias, a discussão chegou ao STJ.
O Recurso Especial (REsp) que levou a questão ao STJ foi o de número 2.036.410/MG, com relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. A decisão publicada em outubro de 2024 trouxe clareza ao tema, afirmando que fundações privadas não têm legitimidade para pedir recuperação judicial.
Por Que Fundações Não Podem Pedir Recuperação Judicial?
O STJ baseou sua decisão em dois principais pilares jurídicos:
1. Incompatibilidade com a Lei de Recuperação Judicial
O primeiro argumento do STJ foi baseado na literalidade da lei. O artigo 1º da Lei 11.101/2005 é claro ao estabelecer que somente empresários e sociedades empresárias podem recorrer ao processo de recuperação judicial. Como fundações privadas não se enquadram nessa definição, a legislação não permite que solicitem recuperação judicial.
Além disso, o artigo 44 do Código Civil classifica as pessoas jurídicas de direito privado em cinco categorias: sociedades, associações, fundações, organizações religiosas e partidos políticos. Entre essas, apenas as sociedades empresárias têm legitimidade para acessar o procedimento de recuperação judicial, reforçando a exclusão das fundações.
2. Garantia de Segurança Jurídica aos Credores
Outro ponto levantado pelo STJ é a segurança jurídica dos credores que firmam contratos com fundações privadas. Ao conceder crédito a uma fundação, os credores fazem isso sabendo que a entidade não pode pedir recuperação judicial, o que significa que não haverá surpresas, como descontos forçados, prorrogações de prazos ou suspensão de cobranças, como ocorre em um processo de recuperação judicial.
As fundações já usufruem de incentivos fiscais e benefícios tributários, como imunidade em relação ao pagamento de IPTU e ICMS em alguns estados, além de outros tributos. Diante disso, o STJ entendeu que permitir que essas entidades solicitassem recuperação judicial criaria um cenário de insegurança para os credores, que não esperariam enfrentá-las em um processo judicial desse tipo.
Precedentes e Controvérsias: Associações que Conseguiram Recuperação Judicial
Apesar de a decisão do STJ ter sido clara, existem precedentes em que associações, inclusive clubes de futebol, conseguiram judicialmente o direito de solicitar recuperação judicial. Contudo, essas decisões são consideradas casos excepcionais e não representam a regra.
A questão envolvendo associações e fundações é, de fato, controversa, mas o entendimento majoritário no STJ é que a recuperação judicial foi criada para empresas com fins lucrativos. Ou seja, a legislação prevê o uso desse mecanismo para proteger atividades empresariais e manter a fonte produtora de bens e serviços, o que não se aplica a entidades como fundações e associações.
Consequências da Decisão para o Mercado e Para as Fundações
A decisão do STJ tem um impacto significativo sobre o mercado de crédito e sobre as próprias fundações privadas.
Para os Credores
Para os credores, a decisão traz tranquilidade. Eles podem continuar concedendo crédito a fundações com a certeza de que essas entidades não podem solicitar recuperação judicial e, portanto, não poderão suspender ou renegociar suas dívidas sem o consentimento dos credores.
Para as Fundações
Para as fundações privadas, a decisão limita as opções de reestruturação financeira. Caso uma fundação enfrente dificuldades, ela precisará buscar outras formas de renegociar suas dívidas, sem recorrer ao procedimento de recuperação judicial. Alternativas podem incluir acordos extrajudiciais ou renegociações diretas com credores.
Conclusão: Uma Decisão que Estabelece Limites Claros
A decisão do STJ no caso da fundação de Sete Lagoas/MG deixa claro que a recuperação judicial é uma ferramenta exclusiva para empresários e sociedades empresárias, conforme previsto na Lei 11.101/2005. Ao garantir que fundações e outras entidades sem fins lucrativos não possam utilizar esse mecanismo, o tribunal reforça a segurança jurídica no mercado e protege os interesses dos credores.
Essa é uma decisão que, embora pareça limitar as opções das fundações em crise, tem como objetivo manter a coerência do sistema jurídico e garantir que as entidades empresariais tenham um tratamento distinto, conforme suas características e riscos.
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