As sociedades limitadas representam o tipo societário mais comum no Brasil, em razão da sua simplicidade, da limitação da responsabilidade dos sócios e do menor custo em comparação com sociedades anônimas. No entanto, quando uma sociedade limitada conta com apenas dois sócios e ambos exercem a administração, podem surgir conflitos sérios que afetam diretamente a continuidade do negócio.
Uma questão recorrente nesses cenários é: é possível excluir um sócio em uma sociedade limitada bipessoal? A resposta exige uma análise detalhada do Código Civil, do Código de Processo Civil (CPC) e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Neste artigo, vamos explorar os aspectos jurídicos da exclusão de sócio em sociedades limitadas com apenas dois sócios, explicando quando ela é cabível, quais fundamentos legais podem ser utilizados e como o Judiciário tem interpretado esses casos.
A exclusão de sócio no Código de Processo Civil
O Código de Processo Civil (artigo 600) prevê a possibilidade de exclusão de sócio por meio de uma ação judicial. No entanto, essa ação deve ser proposta pela própria sociedade, representada por seus administradores.
Aqui já surge o primeiro problema prático em sociedades com apenas dois sócios: se ambos são administradores e possuem participação no capital, como a sociedade ingressaria com ação contra um deles? O conflito de interesses impede uma atuação regular em nome da pessoa jurídica, tornando a aplicação desse dispositivo bastante limitada em sociedades bipessoais.
A exclusão de sócio no Código Civil
Já o Código Civil, em seu artigo 1.030, prevê que um sócio pode ser excluído por iniciativa da maioria dos demais sócios, desde que fique caracterizada uma das seguintes hipóteses:
- Falta grave no cumprimento de suas obrigações;
- Incapacidade superveniente para a gestão societária.
Esse artigo se aplica de maneira mais clara em sociedades com múltiplos sócios. Mas e quando existem apenas dois sócios, em situação de igualdade ou até mesmo quando o sócio majoritário é o que pratica condutas lesivas?
Sociedades bipessoais: entraves e soluções jurídicas
Quando a sociedade limitada possui apenas dois sócios, surgem dificuldades práticas na aplicação da regra da maioria. Vejamos alguns cenários:
- Sócios com participação igualitária (50% cada): não há maioria para deliberar pela exclusão.
- Sócio majoritário prejudicial: se o sócio majoritário pratica condutas graves, como o minoritário poderia requerer sua exclusão se não detém a maioria do capital?
É aqui que a jurisprudência do STJ se torna fundamental.
O entendimento do STJ sobre a exclusão de sócio
O Superior Tribunal de Justiça, em decisões como o REsp 1.653.421/MG, consolidou um entendimento relevante:
➡ Mesmo em sociedades com apenas dois sócios, é possível que o minoritário proponha a exclusão do majoritário, desde que demonstrado que a conduta deste compromete a continuidade da sociedade.
Esse entendimento rompe com a rigidez do texto legal ao reconhecer que o interesse maior a ser preservado é o da sociedade, e não o da posição de domínio do sócio majoritário.
Além disso, o STJ já admitiu que o sócio minoritário, em determinadas circunstâncias, pode propor a ação em nome da própria sociedade, representando-a contra o sócio majoritário que age de maneira lesiva.
Portanto, ainda que exista insegurança jurídica por não haver pacificação total do tema, a tendência é de que o Judiciário privilegie a preservação da empresa frente a comportamentos abusivos de sócios.
O que caracteriza falta grave do sócio?
Para que haja exclusão, é necessário comprovar condutas que configurem falta grave ou que demonstrem incapacidade superveniente. Alguns exemplos de faltas graves reconhecidas pela doutrina e jurisprudência:
- Descumprir cláusulas do contrato social;
- Utilizar recursos da sociedade para fins pessoais (empréstimos, gastos particulares);
- Desviar dinheiro ou bens da empresa;
- Atuar em concorrência direta com a sociedade;
- Obstruir ou sonegar informações e documentos aos demais sócios;
- Atos de má gestão que causem prejuízos deliberados.
Essas condutas são apuradas em juízo por meio de uma ação específica.
O instrumento jurídico: dissolução parcial da sociedade
A ação adequada para viabilizar a saída forçada de um sócio é a dissolução parcial da sociedade com exclusão do sócio.
Nesse processo, o Judiciário avaliará as provas apresentadas, verificará a existência de falta grave ou incapacidade e, caso reconheça o direito, determinará a exclusão do sócio.
As consequências incluem:
- Apuração de haveres: o sócio excluído receberá o valor correspondente à sua participação societária, calculado conforme a situação patrimonial da empresa;
- Indenização por perdas e danos: se comprovado que o sócio causou prejuízos à sociedade, poderá ser responsabilizado financeiramente;
- Afastamento da administração: o sócio excluído deixa imediatamente de exercer funções de gestão.
A exclusão como limite ao poder do sócio majoritário
A lição mais importante desses casos é clara:
➡ O sócio majoritário não detém poder absoluto sobre a sociedade.
Mesmo em sociedades com apenas dois sócios, o Judiciário pode intervir para afastar aquele que prejudica o desenvolvimento da atividade empresarial. Isso garante que a empresa não fique refém de práticas abusivas ou condutas desleais.
Conclusão
A exclusão de sócio em sociedades limitadas bipessoais é um tema complexo, que exige interpretação conjugada do Código Civil, do Código de Processo Civil e da jurisprudência do STJ.
Embora os dispositivos legais apresentem entraves práticos, a jurisprudência tem apontado para soluções que priorizam a continuidade da sociedade e a proteção da atividade empresarial.
Portanto, ainda que o sócio seja majoritário, ele poderá ser excluído se sua conduta for gravemente prejudicial à sociedade, cabendo ao minoritário ou até mesmo à própria sociedade, representada de forma legítima, propor a ação cabível.
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