A desconsideração da personalidade jurídica é uma ferramenta essencial no processo de execução para responsabilizar pessoalmente os sócios por dívidas da pessoa jurídica. Entretanto, um recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou significativamente a forma como essa medida deve ser tratada quando rejeitada: agora, a rejeição do incidente pode gerar condenação em honorários sucumbenciais.
Este artigo analisa esse novo entendimento, suas implicações práticas e os cuidados que advogados e credores devem ter ao requerer a desconsideração da personalidade jurídica, especialmente em demandas empresariais.
O que é a Desconsideração da Personalidade Jurídica
A desconsideração da personalidade jurídica está prevista no art. 133 do Código de Processo Civil e é utilizada quando se identifica abuso da forma societária com o intuito de fraudar credores ou desviar finalidade.
É um incidente processual que pode ser requerido a qualquer momento do processo, inclusive na fase de execução, e exige a abertura de contraditório para os sócios, pois pode levá-los à inclusão no polo passivo da ação.
Antes: Entendimento Tradicional do STJ
Até recentemente, a jurisprudência dominante do STJ entendia que, por se tratar de um incidente processual, a rejeição do pedido de desconsideração não gerava sucumbência, ou seja, não havia condenação em honorários advocatícios.
Essa lógica baseava-se na natureza instrumental do incidente, que não era considerado como uma ação autônoma com potencial condenatório para quem o propõe.
Mudança no Entendimento: Informativo 843 e REsp 2.072.206/SP
O ponto de virada se deu com o julgamento do Recurso Especial nº 2.072.206/SP, relatado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, publicado no Informativo nº 843 do STJ, de 18 de março de 2025.
Neste julgamento, o STJ entendeu que a rejeição do incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode gerar honorários de sucumbência em favor do advogado da parte indevidamente incluída no processo.
Ou seja, se o credor tenta incluir um sócio na execução e o juiz rejeita essa tentativa, o credor pode ser condenado a pagar honorários ao advogado do sócio.
Fundamentos da Decisão
O STJ passou a considerar que o incidente de desconsideração possui características análogas a um procedimento comum autônomo, já que:
- Pode alterar substancialmente os rumos da demanda;
- Gera litigiosidade efetiva entre as partes;
- Resulta em decisão interlocutória com conteúdo de mérito.
Além disso, aplica-se o princípio da causalidade, segundo o qual quem deu causa à demanda deve arcar com os custos processuais. Portanto, se o credor provoca a instauração de um incidente infundado, ele deve suportar os custos, inclusive os honorários advocatícios.
CPC de 2015 e a Previsão Legal
A base normativa que dá sustentação à tese do STJ é o art. 85, §1º, do CPC, que prevê a fixação de honorários de sucumbência em todas as decisões com conteúdo de mérito, inclusive as interlocutórias.
Neste caso, a decisão que rejeita o pedido de desconsideração da personalidade jurídica é uma decisão parcial de mérito, o que justifica a condenação do requerente ao pagamento de honorários.
Jurisprudência Complementar: REsp 1.845.553/SC
A ministra Nancy Andrighi, ao relatar o REsp 1.845.553/SC, reforçou esse entendimento ao declarar que o incidente de desconsideração tem a natureza de procedimento autônomo e complexo, com efeitos relevantes sobre a ação principal.
Ela ressaltou que, ao permitir a inclusão ou exclusão de sócios na execução, o incidente pode modificar substancialmente a esfera de responsabilização patrimonial, o que justifica a incidência de honorários advocatícios em caso de improcedência.
Implicações Práticas para Credores e Advogados
A principal consequência prática desse novo entendimento é que o credor que tentar a desconsideração da personalidade jurídica sem fundamentos sólidos poderá ser penalizado financeiramente.
A fixação de honorários sucumbenciais varia de 10% a 20% sobre o valor da causa ou do proveito econômico pretendido, o que pode representar um valor expressivo, principalmente em execuções empresariais.
Atenção Redobrada em Demandas Empresariais
O professor José Humberto, especialista em Direito Empresarial, chama a atenção para um ponto crítico: nas demandas cíveis e empresariais, a prova do abuso da personalidade jurídica é mais difícil, o que exige ainda mais cautela na proposição do incidente.
Além disso, as execuções empresariais frequentemente envolvem valores elevados, o que pode tornar o ônus sucumbencial extremamente oneroso para o credor que não obtiver sucesso na tentativa de inclusão do sócio.
Quando Não Haverá Risco de Sucumbência?
Caso o exequente esteja representado por advogado dativo ou atue sob o manto da justiça gratuita, esse ônus pode ser mitigado. Nesses casos, a condenação em honorários pode não ser exigida de imediato, embora continue tecnicamente existente.
Recomendações Finais para a Advocacia
Diante dessa mudança, a recomendação dos especialistas é clara:
- Avaliar criteriosamente cada caso antes de requerer a desconsideração;
- Reunir provas robustas de abuso da personalidade jurídica;
- Atentar-se para as diferenças entre as esferas cível, empresarial, trabalhista e tributária, pois o entendimento sobre desconsideração pode variar entre elas;
- Considerar o risco econômico da condenação em honorários antes de atuar de forma impulsiva.
Conclusão
O novo entendimento do STJ representa uma mudança de paradigma no tratamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Agora, a rejeição do pedido pode gerar custos adicionais relevantes ao credor, o que reforça a necessidade de análise estratégica, técnica e jurídica rigorosa.
Essa mudança fortalece a segurança jurídica dos sócios e promove o uso mais responsável do instituto da desconsideração. Por outro lado, exige dos profissionais da advocacia empresarial uma postura mais criteriosa, fundamentada e estratégica.
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