A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferida no Recurso Especial n.º 2.184.895/PE, de abril de 2025, trouxe um importante esclarecimento sobre o conflito de competência entre o juízo da recuperação judicial e o juízo da execução fiscal. A discussão gira em torno da possibilidade de constrição de bens — ou seja, bloqueio ou penhora de patrimônio — de empresas em recuperação judicial, quando esses bens são considerados essenciais para a continuidade da atividade empresarial.
Neste artigo, vamos detalhar a posição adotada pelo STJ, contextualizar com base na legislação vigente, e apontar os efeitos práticos dessa decisão para empresas em crise e para a Fazenda Pública.
Contexto Legal: A Lei de Recuperação Judicial e a Execução Fiscal
A Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial e a falência no Brasil, foi alterada pela Lei 14.112/2020, trazendo mudanças significativas no regime jurídico da recuperação. Apesar dessas alterações, uma premissa continua firme: créditos tributários não são submetidos ao plano de recuperação judicial. Eles são cobrados separadamente por meio de ações de execução fiscal, reguladas pela Lei 6.830/1980.
Dessa forma, mesmo durante o processamento da recuperação judicial, o Fisco pode continuar executando a empresa para a cobrança de tributos devidos. O problema se instala quando há conflito sobre a constrição de bens: o juízo da execução fiscal pode determinar a penhora de ativos que a empresa, em recuperação, alega serem essenciais à sua operação. Daí nasce a controvérsia: qual juízo deve prevalecer?
O Conflito: Dois Juízos, Duas Competências
A prática forense vem demonstrando casos recorrentes em que, após uma constrição patrimonial determinada no juízo da execução fiscal, a empresa em recuperação busca a desconstituição do bloqueio no juízo da recuperação, alegando que os bens são essenciais para sua atividade empresarial.
Surge, então, o embate entre dois juízos de primeira instância, cada qual com competência sobre diferentes aspectos da situação:
- Juízo da execução fiscal: atua na cobrança dos créditos tributários, podendo realizar atos de constrição independentemente do processo de recuperação judicial.
- Juízo da recuperação judicial: zela pela preservação da empresa e deve assegurar meios para que a atividade empresarial continue durante o processo de soerguimento.
A Decisão do STJ: Uma Solução Técnica para um Problema Prático
O STJ, ao julgar o REsp 2.184.895/PE, decidiu que a execução fiscal não fica suspensa em razão da recuperação judicial. O juízo da execução fiscal pode, sim, determinar a penhora de bens da empresa recuperanda, sem necessidade de comprovar que tais bens não são essenciais para a empresa.
Contudo, há um limite importante: o juízo da recuperação judicial poderá desfazer o bloqueio, caso se comprove que os bens penhorados são de capital essencial, ou seja, fundamentais para a manutenção da atividade da empresa.
Bens de Capital Essencial: O Ponto-Chave da Discussão
O que o STJ define como capital essencial?
Segundo a interpretação do tribunal, são considerados bens de capital essencial aqueles que, sem os quais, a empresa não consegue operar. São, portanto, bens que impactam diretamente a geração de receita e o funcionamento regular da atividade empresarial.
Exemplos práticos:
- Elevadores de um hotel: sem eles, inviabiliza-se a operação do prédio.
- Frota de uma transportadora: os veículos são indispensáveis para a prestação do serviço.
Se ficar demonstrado que o bem penhorado é dessa natureza, o juízo da recuperação poderá ordenar a substituição da garantia ou o desbloqueio do bem.
O Procedimento Definido pelo STJ
A decisão do STJ estabelece o seguinte rito:
- A Fazenda Pública executa e pede a penhora de bens, independentemente de avaliar sua essencialidade;
- O juízo da execução fiscal defere o bloqueio;
- A empresa em recuperação judicial deve provocar o juízo recuperacional, demonstrando que os bens são essenciais;
- O juízo da recuperação avaliará essa essencialidade e, sendo o caso, poderá desconstituir a penhora ou determinar a substituição da garantia.
Ou seja, a competência para avaliar se o bem é essencial fica com o juízo da recuperação judicial. Ainda assim, a execução fiscal pode seguir seu curso normalmente.
Consequências para a Recuperanda
Essa sistemática traz um ônus significativo para a empresa em recuperação. Como a constrição pode ocorrer sem prévia análise da essencialidade, é possível que contas bancárias, veículos ou equipamentos fundamentais sejam bloqueados, prejudicando:
- Pagamento de salários e fornecedores;
- Continuidade operacional;
- Execução do plano de recuperação.
O desbloqueio dependerá de uma atuação ativa da empresa no juízo da recuperação judicial, com apresentação de provas e, possivelmente, laudos que atestem a essencialidade do bem.
Possíveis Conflitos Futuramente Submetidos ao STJ
Embora o STJ tenha pacificado parte da controvérsia, ainda há possibilidade de novos conflitos de competência, sobretudo quanto à definição de “bem essencial”. Isso exigirá, em casos concretos, novas intervenções do tribunal para dirimir dúvidas interpretativas.
Conclusão: Segurança Jurídica com Responsabilidade da Recuperanda
A decisão do STJ visa equilibrar o direito do Fisco à cobrança de tributos com a preservação da atividade empresarial. Ainda que a execução fiscal não se suspenda automaticamente, a possibilidade de intervenção do juízo da recuperação judicial garante que o processo de soerguimento não seja comprometido injustamente.
Contudo, é fundamental que a empresa em recuperação tenha uma assessoria jurídica especializada, que atue com celeridade e precisão técnica para evitar prejuízos maiores decorrentes de bloqueios patrimoniais.
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