O Direito Societário brasileiro reserva atenção especial ao tema da apuração de haveres do sócio que se retira de uma sociedade. Essa é uma das questões mais relevantes no âmbito das sociedades limitadas, pois envolve o equilíbrio entre os interesses do sócio que deixa a empresa e a continuidade saudável da própria sociedade.
Em julgamento recente (2025), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe importante posicionamento no REsp nº 2.063.134/MG, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, decisão unânime que reafirma critérios legais e contábeis aplicáveis à matéria.
Neste artigo, vamos explicar em detalhes:
- O que são haveres societários.
- Como o Código Civil disciplina a apuração.
- O conflito entre o balanço especial e o fluxo de caixa descontado.
- O entendimento consolidado pelo STJ nesse julgamento.
O que são haveres societários?
Quando um sócio se retira de uma sociedade limitada, ele tem direito a receber o valor correspondente à sua participação societária. Esse valor é chamado de haveres, e deve refletir o patrimônio líquido da sociedade proporcional à sua quota no momento da saída.
Trata-se, portanto, de uma compensação financeira que busca restituir ao sócio retirante o valor justo de sua participação, sem comprometer a continuidade da empresa.
O que diz o Código Civil sobre a apuração de haveres
O Código Civil, em seu artigo 1.031, estabelece que, na ausência de previsão diversa no contrato social, a apuração dos haveres deve ser realizada por balanço especial.
Isso significa que, se os sócios não pactuaram outra forma de cálculo, o padrão a ser seguido é a elaboração de um balanço contábil específico, levantado na data da resolução da sociedade em relação ao sócio retirante.
Portanto:
- Regra geral: balanço especial.
- Exceção: outro critério somente se houver previsão expressa no contrato social ou em acordo de sócios.
Balanço especial x Fluxo de caixa descontado
A grande discussão nesse tema gira em torno de qual metodologia deve ser utilizada para calcular os haveres.
1. Balanço especial
- Baseado em documentos contábeis existentes da sociedade, como livro diário e DIPJ (Declaração de Informações Econômico-Fiscais).
- Foca no patrimônio efetivamente registrado até a data da saída do sócio.
- Reflete a realidade contábil presente da empresa.
2. Fluxo de caixa descontado
- Método de projeção financeira que estima o valor da sociedade a partir de lucros futuros.
- Inclui intangíveis, como o goodwill (expectativa de rentabilidade e valor agregado da marca).
- Leva em conta uma projeção de até 20 anos de resultados futuros.
Esse segundo método é muito utilizado em avaliações de mercado, fusões e aquisições. Porém, em litígios societários, sua aplicação gera controvérsias, pois trabalha com cenários hipotéticos, e não com documentos contábeis efetivamente comprovados.
O entendimento do STJ no REsp nº 2.063.134/MG (2025)
No caso julgado em 2025, um sócio retirante buscava que a apuração de seus haveres fosse realizada pelo fluxo de caixa descontado, e não pelo balanço especial.
O STJ, contudo, afastou essa possibilidade com base em três fundamentos centrais:
- Inexistência de previsão contratual ou acordo de sócios autorizando o uso do fluxo de caixa descontado.
- Impossibilidade de calcular valores com base em projeções futuras incertas, ainda mais em um horizonte de 20 anos.
- Ausência de documentos contábeis adicionais solicitados pelo perito, o que inviabilizou qualquer tentativa de extrapolação do método contábil.
Dessa forma, o Tribunal determinou que a apuração fosse realizada exclusivamente pelo balanço especial, respeitando o que dispõe o Código Civil e os documentos efetivamente existentes nos autos.
Impactos práticos da decisão
Essa decisão reforça uma diretriz clara para advogados, sócios e gestores de empresas:
- Segurança jurídica: o STJ reafirma que, sem cláusula contratual específica, prevalece o critério do balanço especial.
- Limitação do subjetivismo: evita-se que o valor dos haveres seja inflado ou reduzido com base em projeções subjetivas de mercado.
- Proteção da sociedade: impede que uma indenização baseada em lucros futuros inviabilize a continuidade do negócio.
Como prevenir conflitos na apuração de haveres
A principal lição prática que se extrai do julgado é a importância de uma redação clara do contrato social e, se necessário, a formalização de um acordo de sócios.
Esses instrumentos podem prever:
- Qual método de apuração será utilizado em caso de saída de sócio.
- Critérios objetivos de cálculo.
- Formas de pagamento dos haveres (parcelamento, prazo etc.).
A prevenção é a chave para evitar litígios longos e onerosos.
Conclusão
A decisão do STJ no REsp nº 2.063.134/MG (2025) consolida o entendimento de que, na ausência de previsão contratual específica, a apuração de haveres deve ser feita por balanço especial, com base em documentos contábeis existentes.
O fluxo de caixa descontado, embora sofisticado e útil em operações empresariais, não se aplica automaticamente na esfera societária sem previsão contratual ou prova documental robusta.
Assim, empresários e advogados devem estar atentos:
- À redação de contratos sociais.
- À elaboração de acordos de sócios.
- À correta guarda de documentos contábeis.
Esses cuidados reduzem riscos de litígios e garantem maior segurança jurídica para todos os envolvidos.
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