A recuperação judicial é uma ferramenta essencial no Direito Empresarial, destinada a permitir que uma empresa em dificuldades financeiras tenha a oportunidade de se reorganizar e continuar operando, evitando a falência. No entanto, uma dúvida recorrente nesse processo é sobre o impacto da recuperação judicial sobre os garantidores, ou seja, terceiros que ofereceram garantias fidejussórias (pessoais) ou reais para respaldar as obrigações da empresa devedora.
Neste artigo, vamos analisar a relação entre a recuperação judicial e os garantidores, abordando os principais entendimentos jurisprudenciais e como o plano de recuperação pode influenciar a responsabilidade desses terceiros.
O que são Garantidores na Recuperação Judicial?
Os garantidores são terceiros que se obrigam por uma dívida da empresa devedora, seja por meio de garantias reais, como a hipoteca, penhor ou alienação fiduciária, ou por garantias pessoais, como o aval ou a fiança. Essas garantias são comumente utilizadas em contratos bancários, como as cédulas de crédito, onde uma pessoa ou entidade se compromete a pagar a dívida caso a empresa não o faça.
No contexto da recuperação judicial, a empresa devedora busca reestruturar suas dívidas e cumprir suas obrigações de forma ajustada às suas condições financeiras atuais. No entanto, surge a questão de se a recuperação judicial também beneficiará os garantidores, suspendendo ou extinguindo as obrigações deles.
A Recuperação Judicial Suspende as Ações Contra Garantidores?
Um ponto importante é que, conforme entendimento sumulado e consolidado na jurisprudência, a recuperação judicial não suspende automaticamente as ações ou execuções movidas contra terceiros garantidores. Isso significa que, mesmo que a empresa devedora obtenha o deferimento do processamento da recuperação judicial, as demandas judiciais em face dos garantidores (fiadores, avalistas, entre outros) podem continuar tramitando.
A suspensão da recuperação judicial se aplica primariamente à empresa devedora, mas não estende de forma automática essa proteção aos garantidores, conforme interpretação tradicional do artigo 6º da Lei 11.101/2005. Assim, os credores podem continuar a cobrar os garantidores, independentemente do que ocorrer no processo de recuperação da empresa principal.
O Plano de Recuperação Judicial e a Supressão de Garantias
No entanto, uma situação interessante ocorre quando o plano de recuperação judicial trata especificamente da questão das garantias oferecidas por terceiros. Se o plano de recuperação aprovado pelos credores prever a supressão das garantias, tanto as garantias reais quanto as fidejussórias, esse ato pode, sim, beneficiar os garantidores.
De acordo com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisões recentes, como no REsp 1.700.487/MT, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, se o plano de recuperação judicial, devidamente aprovado pelas classes de credores, incluir expressamente a liberação das garantias, essa medida vincula todos os credores, incluindo aqueles que possuem garantias prestadas por terceiros.
O STJ firmou o entendimento de que, caso o plano preveja a extinção dessas garantias, tal previsão é válida e eficaz, desde que respeitadas as formalidades e a aprovação pelos credores, nos termos do artigo 50, §1º da Lei de Recuperação Judicial e Falência.
A Importância da Aprovação do Plano de Recuperação
Um ponto crucial para credores e garantidores é o acompanhamento da aprovação do plano de recuperação judicial. Se o plano for aprovado sem contestações, a supressão das garantias pode liberar os garantidores, criando um efeito reflexo que os beneficia.
No entanto, se essa previsão não for incluída no plano ou for aprovada de forma parcial, pode ocorrer a chamada novação parcial da dívida, o que significa que parte do crédito será reestruturada, mas o credor poderá continuar cobrando o garantidor individualmente pela diferença não coberta pelo plano.
Portanto, os advogados que representam garantidores devem estar atentos à redação do plano de recuperação judicial e, se necessário, contestar previsões que possam ser prejudiciais ao garantidor, evitando que suas garantias sejam suprimidas sem a devida análise.
Reflexos para o Credor e o Garantidor
Para os credores, o impacto dessa jurisprudência é que eles devem acompanhar de perto a elaboração e a aprovação do plano de recuperação judicial, principalmente se as garantias oferecidas forem uma parte essencial da segurança para o crédito concedido. Se o plano previr a extinção dessas garantias, o credor pode perder a possibilidade de executar diretamente os bens dos garantidores.
Já para os garantidores, essa previsão pode ser um alívio, pois, se aprovada, eles ficam liberados das obrigações que assumiram em nome da empresa devedora. No entanto, caso o plano não aborde de maneira clara a extinção das garantias ou a novação total do crédito, eles podem continuar sendo cobrados.
Conclusão
A questão da recuperação judicial e seus efeitos sobre garantidores é de grande relevância para empresas, credores e terceiros envolvidos. Embora a recuperação judicial não suspenda automaticamente as ações contra garantidores, o plano de recuperação pode, se bem estruturado e aprovado, trazer benefícios a esses terceiros, liberando-os de suas obrigações.
A jurisprudência do STJ, ao validar a extinção de garantias prevista no plano de recuperação judicial, destaca a importância de se observar os termos desse plano, tanto para credores quanto para garantidores. Esse cuidado garante que os direitos de todas as partes sejam respeitados e que o processo de recuperação seja conduzido de forma justa e eficiente.
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