A recuperação judicial tem como objetivo viabilizar a superação da crise econômica de uma empresa, preservando sua atividade e os empregos. No entanto, quando o assunto envolve o agronegócio, especialmente produtos como soja e milho, novas discussões jurídicas surgem — principalmente sobre a possibilidade de penhora desses bens no curso da recuperação.
Uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso reacendeu esse debate ao autorizar a penhora de grãos vinculados a uma Cédula de Produto Rural (CPR). Essa medida preocupa produtores rurais, especialmente aqueles envolvidos em operações de barter, uma prática bastante comum no setor.
Neste artigo, vamos entender os principais pontos dessa decisão, os argumentos jurídicos utilizados e o que os produtores rurais devem observar para proteger seus bens em situações de crise empresarial.
O que é a operação de barter no agronegócio?
A operação de barter é uma prática comercial onde não há troca de dinheiro, mas sim de produtos. Um exemplo clássico é o do produtor rural que recebe insumos — como sementes, fertilizantes e defensivos agrícolas — e se compromete a quitar essa dívida com parte de sua colheita futura, como sacas de soja ou milho.
Essas operações geralmente são formalizadas por meio da Cédula de Produto Rural (CPR), que é um título de crédito regulado pela Lei nº 8.929/1994. A CPR pode conter cláusula de liquidação física (entrega dos produtos) ou financeira.
A recuperação judicial e a proteção dos bens essenciais
Na recuperação judicial, existe uma proteção legal para os chamados bens essenciais à atividade empresarial, conforme prevê o artigo 49, §3º da Lei de Recuperações e Falências (Lei 11.101/2005). A lógica é simples: se o bem for essencial à continuidade da empresa, ele não pode ser retirado do seu patrimônio durante o processo de recuperação.
Muitos produtores acreditam que os grãos futuros (como soja e milho) se enquadrariam nessa proteção, afinal, são o principal ativo da atividade agrícola. No entanto, a recente decisão do TJMT adotou outro entendimento.
A decisão do TJMT: soja e milho não são bens essenciais
O Tribunal de Justiça do Mato Grosso decidiu que soja e milho não se enquadram como bens essenciais no contexto da recuperação judicial. A justificativa principal foi que produtos agrícolas não podem ser equiparados a bens de capital, e portanto, não estariam protegidos pela legislação recuperacional.
Além disso, o tribunal apontou que esses produtos foram objeto de uma CPR com liquidação física, ou seja, houve antecipação de insumos em troca da futura entrega de grãos. Como essa operação caracteriza uma típica operação de barter, a CPR não estaria sujeita aos efeitos da recuperação judicial, conforme previsto no artigo 11 da Lei nº 8.929/94, com a redação dada pela Lei nº 14.112/2020.
CPR com liquidação física: crédito extraconcursal
Um dos argumentos centrais utilizados pelo tribunal está justamente na natureza jurídica da CPR com liquidação física, especialmente quando se trata de uma operação barter.
Segundo o artigo 11 da Lei da CPR, os créditos vinculados a esse tipo de título não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. Isso significa que o credor pode sim, mesmo durante o processo de recuperação, executar e penhorar os bens garantidores, como as sacas de soja ou milho prometidas como forma de pagamento.
A lógica é proteger o fluxo das operações agroindustriais, garantindo que os fornecedores de insumos tenham meios de satisfazer seus créditos mesmo diante da recuperação da empresa rural.
Quais os riscos para o produtor rural?
A principal preocupação gerada por essa decisão está no risco real de perda dos produtos da colheita, mesmo durante o curso da recuperação judicial. O produtor rural, já fragilizado financeiramente, pode se deparar com a seguinte situação:
- Não conseguir utilizar a colheita para quitar outras dívidas ou reinvestir;
- Ter sua produção penhorada para satisfazer uma CPR barter;
- Perder o controle sobre parte de sua atividade produtiva.
Se o produtor não compreender bem os efeitos da CPR barter e suas implicações jurídicas, pode acabar sendo surpreendido com execuções judiciais em pleno processo de recuperação.
Como se proteger? Dicas essenciais ao produtor rural
- Compreenda a natureza da CPR que você está emitindo: se for com liquidação física e vinculada a operação barter, saiba que seu crédito é extraconcursal e não será protegido pela recuperação judicial.
- Evite confundir produto agrícola com bem essencial protegido: embora os grãos sejam a base do negócio, os tribunais podem não considerá-los essenciais no sentido jurídico do artigo 49 da Lei 11.101/2005.
- Tenha uma assessoria jurídica especializada: para estruturar corretamente suas operações de crédito, especialmente em momentos de crise, contar com profissionais da área é fundamental.
- Avalie cláusulas contratuais com atenção: em operações barter, o contrato pode conter cláusulas que reforcem o direito do credor sobre a produção, aumentando o risco de penhora.
A importância da reforma trazida pela Lei 14.112/2020
A Lei nº 14.112/2020 reformou significativamente a Lei de Recuperação Judicial e Falências, incorporando dispositivos específicos para o agronegócio. Um dos pontos mais relevantes foi justamente a inclusão da CPR com liquidação física como crédito extraconcursal, como visto no artigo 11 da Lei 8.929/94.
Isso trouxe mais segurança jurídica para os credores, mas ao mesmo tempo aumentou a exposição do produtor rural, que agora deve redobrar os cuidados ao operar com barter.
Conclusão: atenção redobrada nas operações com CPR e barter
A decisão do TJMT é um alerta importante para o setor agropecuário. Ela evidencia que, mesmo durante a recuperação judicial, o produtor rural pode ter sua produção penhorada, especialmente se estiver vinculada a operações de barter formalizadas por CPR com liquidação física.
Portanto, é fundamental que os empreendedores do agronegócio compreendam as nuances dessas operações, analisem sua estrutura jurídica e busquem proteger adequadamente sua atividade. A simples suposição de que os grãos são essenciais não garante proteção legal no processo de recuperação.
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