A recuperação judicial é um dos instrumentos mais relevantes do direito empresarial contemporâneo, pois visa permitir que empresas em crise econômico-financeira tenham a possibilidade de se reestruturar e manter suas atividades. No entanto, um dos pontos mais polêmicos dentro desse processo é a exigência da certidão negativa de débitos fiscais (CND) como condição para a homologação do plano de recuperação judicial.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem consolidando entendimento de que essa exigência é imprescindível, o que gera intensos debates entre doutrinadores, advogados, credores e, principalmente, devedores em dificuldades financeiras.
Neste artigo, vamos detalhar o fundamento legal dessa exigência, o posicionamento dos tribunais e os impactos práticos dessa condição para o sucesso ou o insucesso de um processo de recuperação judicial.
A polêmica em torno das certidões negativas de débitos
Quando uma empresa ingressa com o pedido de recuperação judicial, o artigo 52 da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falências) prevê que, no despacho que defere o processamento, o devedor fica dispensado de apresentar certidões negativas de débito fiscal.
Esse ponto inicial cria, muitas vezes, a falsa percepção de que tais certidões não são relevantes para o andamento do processo. Entretanto, essa dispensa ocorre apenas na fase inicial, permitindo que a empresa tenha acesso ao processo de recuperação mesmo diante de um passivo tributário.
A grande questão surge posteriormente, quando o plano de recuperação judicial, já aprovado pela Assembleia Geral de Credores ou tacitamente aceito na forma do artigo 55 da Lei 11.101/2005, é levado à homologação judicial. É nesse momento que a lei e a jurisprudência exigem a regularidade fiscal.
O crédito tributário na recuperação judicial
Um ponto essencial para compreender a exigência da CND é a natureza do crédito tributário dentro da recuperação judicial.
Ao contrário dos créditos trabalhistas, quirografários, com garantia real e com privilégio especial ou geral, os créditos tributários não se submetem aos efeitos da recuperação judicial. Isso significa que a negociação com o fisco ocorre em procedimento apartado, por meio de parcelamentos especiais ou programas de transação tributária.
Portanto, embora não faça parte das classes de credores da recuperação, o crédito tributário exerce um papel decisivo: sem a regularização fiscal, não há homologação do plano de recuperação.
O que diz a Lei 11.101/2005 sobre a CND
O artigo 57 da Lei de Recuperação e Falências é claro ao determinar:
“Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia-geral de credores, ou decorrido o prazo previsto no artigo 55 desta Lei, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários.”
Portanto, o legislador vinculou a fase de homologação judicial do plano à apresentação da certidão de regularidade fiscal.
Complemento pelo Código Tributário Nacional
O Código Tributário Nacional (CTN) reforça essa exigência no artigo 191-A, ao estabelecer:
“A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos artigos 151, 205 e 206 deste Código.”
Na prática, o dispositivo fecha a interpretação: sem a comprovação de regularidade tributária, não há concessão da recuperação judicial.
Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
O STJ vem consolidando entendimento de que a apresentação de certidões negativas de débitos tributários (ou positivas com efeito de negativas) é condição essencial para a homologação do plano de recuperação judicial.
Ou seja, não basta apenas a aprovação dos credores privados: o aval do Poder Judiciário depende de que a empresa comprove estar em situação de regularidade fiscal ou, pelo menos, em processo formal de parcelamento que lhe permita a emissão de CND ou CPD-EN (Certidão Positiva com Efeitos de Negativa).
Essa posição prestigia o interesse do fisco e reafirma o caráter indeclinável dos créditos tributários, ainda que a empresa esteja em grave crise.
Impactos práticos dessa exigência
A exigência da CND gera impactos significativos para as empresas em recuperação judicial:
1. Obstáculo à homologação do plano
Muitas empresas que conseguem aprovar um plano de recuperação junto aos credores não conseguem cumprir a exigência de regularização fiscal, o que pode levar ao indeferimento da homologação.
2. Necessidade de planejamento tributário
Antes de ingressar com o pedido de recuperação, é fundamental que o empresário e seus advogados façam uma análise detalhada do passivo tributário. Negligenciar esse aspecto pode comprometer todo o processo.
3. Negociação paralela com o fisco
Como os créditos tributários não se submetem à recuperação, a empresa deve buscar, simultaneamente, alternativas de parcelamento e programas de regularização fiscal. Atualmente, instrumentos como a transação tributária podem auxiliar nesse caminho.
4. Risco de convolação em falência
Caso a empresa não consiga comprovar a regularidade fiscal dentro do prazo ajustado, corre o risco de ter o processo convolado em falência, frustrando o esforço de reestruturação.
Possibilidade de prazos para regularização fiscal
Em alguns planos de recuperação, é possível encontrar cláusulas que estabelecem prazos específicos para que a empresa apresente a certidão negativa, como um ou dois anos.
Essa prática tem sido aceita em algumas decisões judiciais, desde que fique claro que a homologação do plano e sua efetiva execução estão condicionadas à obtenção da regularidade fiscal.
Trata-se de uma solução intermediária que busca equilibrar a rigidez legal com a realidade prática de empresas em grave crise.
O que o empresário precisa saber antes de pedir recuperação judicial
Diante desse cenário, algumas orientações são indispensáveis:
- Avaliar previamente o passivo tributário e os programas de parcelamento disponíveis.
- Buscar orientação especializada em direito tributário e empresarial para estruturar um plano viável.
- Não ignorar o papel do fisco: mesmo fora das classes de credores, o crédito tributário pode ser determinante para o sucesso do processo.
- Planejar o cumprimento das obrigações fiscais como parte integrante da estratégia de recuperação.
Conclusão
O entendimento do STJ consolida uma realidade que não pode ser ignorada: a apresentação da certidão negativa de débitos fiscais é condição indispensável para a homologação e concessão da recuperação judicial.
Embora o legislador tenha dispensado a CND na fase inicial do processo, sua exigência reaparece de forma categórica no momento mais decisivo, que é a homologação do plano.
Por isso, empresários e advogados que pretendem se valer desse instrumento precisam, antes de tudo, analisar com profundidade o passivo tributário da empresa e planejar estratégias de regularização fiscal. Do contrário, o risco de convolação em falência é uma realidade concreta.
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