A discussão sobre a possibilidade de publicizar os nomes dos devedores contumazes de ICMS chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e está gerando intensos debates jurídicos e econômicos. Trata-se de uma questão que envolve diretamente o equilíbrio entre a necessidade do Estado em combater a inadimplência tributária e os direitos fundamentais do contribuinte, em especial o direito à honra, à imagem e à livre iniciativa.
Neste artigo, vamos analisar em profundidade os principais pontos dessa controvérsia: a lei gaúcha que instituiu a medida, a posição dos ministros do STF até agora, os fundamentos constitucionais envolvidos e os impactos que essa publicidade pode trazer para as empresas e para o mercado.
O que é o devedor contumaz de ICMS?
O devedor contumaz não é apenas aquele empresário que, em determinado momento, deixa de pagar o imposto por dificuldades financeiras momentâneas. Trata-se de um contribuinte que, de forma reiterada e sistemática, deixa de recolher o ICMS devido, incorporando essa conduta como estratégia empresarial.
Esse comportamento prejudica não apenas os cofres públicos, mas também a concorrência, já que empresas que não pagam seus tributos conseguem praticar preços menores que seus concorrentes em situação regular.
No entanto, o grande desafio jurídico é definir quais critérios permitem classificar um contribuinte como devedor contumaz. Essa ausência de uniformidade é um dos pontos centrais da discussão.
A lei gaúcha e o Regime Especial de Fiscalização (REFE)
No Rio Grande do Sul, a Lei nº 13.711/2011 instituiu o chamado Regime Especial de Fiscalização (REFE), prevendo medidas rigorosas para empresas enquadradas como devedoras contumazes de ICMS.
Entre essas medidas está a publicidade do nome do contribuinte inadimplente, tanto na página oficial da Secretaria da Fazenda do Estado quanto em documentos fiscais emitidos pela própria empresa.
Isso significa que, ao emitir uma nota fiscal, a condição de devedor poderia ser visível ao mercado, o que naturalmente gera uma situação constrangedora e pode levar ao chamado isolamento de mercado.
A controvérsia constitucional
A questão chegou ao STF por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com o argumento de que a publicidade dos nomes de devedores seria uma forma indireta e coercitiva de cobrança de tributos, prática já vedada por súmulas da Corte:
- Súmula 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.”
- Súmula 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para cobrança de tributo.”
- Súmula 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito com o fisco exerça suas atividades profissionais.”
Ou seja, o STF já consolidou entendimento de que o Estado não pode restringir a atividade econômica do contribuinte como forma de pressioná-lo ao pagamento do imposto.
A grande pergunta, portanto, é: a publicidade do devedor contumaz configura essa prática coercitiva ou trata-se apenas de uma medida de transparência legítima?
Os votos já proferidos no STF
Até o momento, o julgamento conta com votos relevantes:
- Ministro Nunes Marques (Relator): votou pela validade da lei, entendendo que a publicidade não é desproporcional nem configura restrição direta ao exercício da atividade empresarial.
- Ministro Alexandre de Moraes: acompanhou o relator, reforçando que a medida não interfere diretamente na continuidade das atividades do contribuinte.
Ainda restam votos de outros ministros, o que significa que a decisão definitiva pode trazer novos contornos e estabelecer parâmetros importantes para outros estados que pretendem adotar medidas semelhantes.
Impactos no mercado e nas relações empresariais
A eventual publicidade do devedor contumaz traz consequências sérias para a vida empresarial. Entre os principais efeitos, destacam-se:
- Isolamento de mercado: fornecedores e clientes podem evitar negócios com a empresa marcada como devedora, temendo problemas futuros na validação de créditos de ICMS.
- Preconceito comercial: empresas podem ser vistas como “arriscadas”, dificultando parcerias e acesso a crédito.
- Transferência de riscos: compradores terão que comprovar o efetivo pagamento do ICMS para validar seus créditos, aumentando burocracia e insegurança.
- Concorrência desleal invertida: se por um lado a medida inibe empresas que se beneficiam de não pagar tributos, por outro pode punir duramente contribuintes em dificuldades financeiras temporárias, caso o critério de “contumaz” não seja bem definido.
O critério do devedor contumaz: um ponto ainda nebuloso
Um dos grandes problemas ainda em aberto é justamente a definição de quem pode ser enquadrado como devedor contumaz.
Estados como São Paulo, Espírito Santo e Santa Catarina já estudam ou aplicam medidas semelhantes, mas não existe uma uniformidade nacional sobre o assunto.
É fundamental que haja um procedimento administrativo prévio, com direito à defesa, prazos para pagamento ou parcelamento, e critérios objetivos que diferenciem:
- o contribuinte que enfrenta dificuldades momentâneas,
- do contribuinte que adota a inadimplência como estratégia permanente.
Sem essa distinção, o risco de injustiças é elevado.
Publicidade do devedor: analogia com Serasa e protestos?
Muitos defensores da medida argumentam que a publicidade dos devedores de ICMS não é diferente da negativação em cadastros de proteção ao crédito, como Serasa ou SCPC, nem do protesto de títulos em cartório.
De fato, ambos os mecanismos também expõem o devedor ao mercado. A diferença, porém, está no efeito prático: enquanto a negativação não impede a atividade empresarial, a publicidade no âmbito tributário pode comprometer a própria circulação econômica do contribuinte, criando o risco de paralisar sua operação.
Reflexões finais
O debate sobre a publicidade dos devedores contumazes de ICMS envolve um delicado equilíbrio entre:
- O dever do Estado de arrecadar e combater práticas desleais no mercado,
- E a garantia constitucional da livre iniciativa, da proporcionalidade e do devido processo legal.
Embora o combate ao devedor contumaz seja necessário, a definição clara de critérios e a proteção do contribuinte eventual são essenciais para evitar abusos.
O julgamento do STF será determinante não apenas para o Rio Grande do Sul, mas para todo o Brasil, podendo abrir caminho para que outros estados adotem medidas semelhantes.
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